Não há respostas prontas na busca por produtos mais alinhados com a sustentabilidade. E sim ferramentas para fortalecer os consumidores, ancorados na atuação em rede
Originário de um estudo realizado para a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, pela equipe de pesquisadores do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Eaesp-FGV, o Catálogo Sustentável nasceu com o objetivo de divulgar para todos os consumidores a existência de produtos e serviços que preenchessem algum critério de sustentabilidade ambiental, veiculado por uma ferramenta on-line de busca gratuita (acesse aqui).
Se a pesquisa, originalmente, tinha por objetivo municiar compradores públicos de informações sobre produtos e serviços menos impactantes, facilitando a implementação da chamada licitação sustentável, no momento em que essas informações foram divulgadas em uma plataforma on-line [1], toda a sociedade passou a ser beneficiária da pesquisa, inclusive participando ativamente de sua construção por meio de dois acessos existentes no site: o “Faça Parte” e o “Fale Conosco”.
[1] Por meio dessa plataforma, o catálogo tomou corpo, ganhou novos produtos, conquistou mais de 100 mil visitantes e passou a ser um guia de referência para o consumidor.
Transcorridos dois anos da existência do catálogo, a equipe por ele responsável encontra-se diante de um novo desafio: olhar para a sua criação e verificar se ela atingiu o objetivo para o qual foi idealizada. O catálogo carrega em si a premissa de que cada indivíduo, investido de seu papel de consumidor, pode fazer a diferença. Mas, tomando por base essa premissa, surgem alguns questionamentos: Qualoreal poder do consumidor? Quais os principais obstáculos ao “consumo responsável”? Até que ponto o Catálogo pode desenvolver soluções no sentido de superá-los?
Hoje, o tema consumo é central quando se trata de sustentabilidade. A Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente, ocorrida no Rio de Janeiro em 1992, foi o berço da discussão sobre estilo de vida e os impactos das práticas de consumo no meio natural, refletidos nos documentos produzidos no encontro, como a Agenda 21. Segundo a professora Fátima Portilho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a partir desse momento, uma discussão que se mantinha focada nos problemas do modelo de produção (especialmente das nações desenvolvidas) deslocou-se para as questões decorrentes do modelo de consumo.
Essa transferência faz sentido, uma vez que o ato de consumir é praticado por todos, a todo momento, e é também a base de sustentação do modelo produtivo vigente. Dessa forma, o discurso do consumo responsável é uma maneira interessante de “empoderar” cada indivíduo e estimulá-lo a dar sua contribuição pessoal na proteção do meio ambiente e dos direitos humanos.
Contudo, deve-se considerar que há vários fatores que limitam as decisões dos indivíduos, entre os quais é possível destacar a disponibilidade de dinheiro, de tempo e de informação.
O poder aquisitivo é um limitante na medida em que muitos dos produtos menos impactantes são, hoje, mais caros que os tradicionais. Exemplo clássico é o dos alimentos orgânicos. Mas esse sobrepreço é justificado, pois, ao produzir de forma mais responsável, a empresa internaliza custos que, na forma tradicional de cultivo, seriam externalizados e pagos por toda a sociedade.
Apesar de esse sobrepreço ser um obstáculo para a população de renda mais baixa, o “consumo responsável” não deveria ser um privilégio dos mais abastados. Consumidores das classes C e D podem fazer valer seu poder de escolha, mudando hábitos dentro de casa, adquirindo produtos mais eficientes, incentivando agricultores locais e até mesmo deixando de comprar produtos de empresas acusadas de práticas irresponsáveis.
Aí entram os dois outros obstáculos anteriormente mencionados: o da disponibilidade de tempo e o do acesso à informação.
De forma bem superficial, fazer uma escolha diferente, especialmente quando envolve uma mudança importante de hábitos, é, no mínimo, trabalhoso, desconfortável e exige tempo. Como durante o dia tomamos diversas decisões de consumo, acabamos entrando no piloto automático. Por exemplo, se um cidadão responsável decidir quebrar esse ciclo e usar alguns minutos do seu tempo na análise de cada produto antes de colocá-lo no carrinho, uma visita ao supermercado poderia durar horas.
Ainda que superado o obstáculo “tempo”, chegaríamos à última, e possivelmente a mais relevante das dificuldades: a de obter informações confiáveis, imparciais e de fácil entendimento. As palavras “verde”, “ecológico” e “sustentável” são usadas com frequência nas propagandas e rótulos de produtos, mas poucas vezes os consumidores entendem do que se trata.
Como saber o que é “maquiagem” verde e o que é realmente menos impactante? Quais as melhores práticas dentro de cada categoria de produto? Quais os critérios escolhidos? Mesmo para os mais esclarecidos, as respostas não vêm de pronto.
E foi justamente para ocupar esse espaço, reduzindo obstáculos quanto à falta de informação, que o Catálogo Sustentável foi idealizado. Contudo, no dia a dia de sua construção e atualização, percebeu-se que a própria ferramenta tem suas limitações.
A primeira delas é a agilidade do mercado. Todo dia novos produtos são lançados e outros tantos tirados de linha, o que impossibilita garantir a conformidade dos dados e a completude das informações em tempo real. Ademais, há limites importantes na avaliação comparativa de produtos, na medida em que existem poucos estudos disponíveis sobre análise de ciclo de vida, especialmente os realizados no Brasil. Soma-se a isso o fato de que dois produtos de uma mesma categoria podem estar no catálogo por atenderem a critérios diferentes, o que transfere a decisão final para o próprio consumidor.
Outro ponto que deve ser destacado é a denominação que foi dada ao site – “Catálogo Sustentável”. No momento do “batizado”, esse nome estava em perfeita sintonia com os objetivos da ferramenta. Mas, com o passar do tempo, suas limitações foram sendo identificadas e, hoje, acredita-se que o nome transmite uma mensagem equivocada para o consumidor final.
O que os produtos que constam do site efetivamente têm é um diferencial positivo em relação a outros produtos de sua categoria. Mas o processo de envolvimento em seu consumo e produção invariavelmente causa algum impacto.
Todas essas considerações não têm por objetivo concluir que essa ferramenta deve ser desconsiderada na busca pelo consumo responsável. O que se quer, sim, é demonstrar que não há respostas prontas para a busca por um consumo menos impactante, e que ferramentas como o Catálogo não são suficientes para preencher todas as lacunas da ação individual. E, então, como fica o consumidor?
A nossa sociedade passa por um processo de mudança em que toda informação é bem-vinda e nenhuma ação individual é desprezível. Mas, nesse contexto, é importante notar que grande parte do poder do consumidor reside na sua capacidade de mobilização e organização na condição de agente da sociedade civil, de forma a pressionar outros atores (entre eles governo e empresas), cujas responsabilidades não podem ser esquecidas.
É por meio da mobilização e atuação em rede, e com ajuda de ferramentas das mais diversas – entre elas o Catálogo –, que esse movimento ganhará robustez para prosseguir nesse caminho chamado sustentabilidade.
*Pesquisadora do Gvces e mestranda em Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável pela University College London.
**Coordenadora do programa Consumo Sustentável do Gvces e doutoranda em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC-SP.[:en]Não há respostas prontas na busca por produtos mais alinhados com a sustentabilidade. E sim ferramentas para fortalecer os consumidores, ancorados na atuação em rede
Originário de um estudo realizado para a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, pela equipe de pesquisadores do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Eaesp-FGV, o Catálogo Sustentável nasceu com o objetivo de divulgar para todos os consumidores a existência de produtos e serviços que preenchessem algum critério de sustentabilidade ambiental, veiculado por uma ferramenta on-line de busca gratuita (acesse aqui).
Se a pesquisa, originalmente, tinha por objetivo municiar compradores públicos de informações sobre produtos e serviços menos impactantes, facilitando a implementação da chamada licitação sustentável, no momento em que essas informações foram divulgadas em uma plataforma on-line [1], toda a sociedade passou a ser beneficiária da pesquisa, inclusive participando ativamente de sua construção por meio de dois acessos existentes no site: o “Faça Parte” e o “Fale Conosco”.
[1] Por meio dessa plataforma, o catálogo tomou corpo, ganhou novos produtos, conquistou mais de 100 mil visitantes e passou a ser um guia de referência para o consumidor.
Transcorridos dois anos da existência do catálogo, a equipe por ele responsável encontra-se diante de um novo desafio: olhar para a sua criação e verificar se ela atingiu o objetivo para o qual foi idealizada. O catálogo carrega em si a premissa de que cada indivíduo, investido de seu papel de consumidor, pode fazer a diferença. Mas, tomando por base essa premissa, surgem alguns questionamentos: Qualoreal poder do consumidor? Quais os principais obstáculos ao “consumo responsável”? Até que ponto o Catálogo pode desenvolver soluções no sentido de superá-los?
Hoje, o tema consumo é central quando se trata de sustentabilidade. A Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente, ocorrida no Rio de Janeiro em 1992, foi o berço da discussão sobre estilo de vida e os impactos das práticas de consumo no meio natural, refletidos nos documentos produzidos no encontro, como a Agenda 21. Segundo a professora Fátima Portilho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a partir desse momento, uma discussão que se mantinha focada nos problemas do modelo de produção (especialmente das nações desenvolvidas) deslocou-se para as questões decorrentes do modelo de consumo.
Essa transferência faz sentido, uma vez que o ato de consumir é praticado por todos, a todo momento, e é também a base de sustentação do modelo produtivo vigente. Dessa forma, o discurso do consumo responsável é uma maneira interessante de “empoderar” cada indivíduo e estimulá-lo a dar sua contribuição pessoal na proteção do meio ambiente e dos direitos humanos.
Contudo, deve-se considerar que há vários fatores que limitam as decisões dos indivíduos, entre os quais é possível destacar a disponibilidade de dinheiro, de tempo e de informação.
O poder aquisitivo é um limitante na medida em que muitos dos produtos menos impactantes são, hoje, mais caros que os tradicionais. Exemplo clássico é o dos alimentos orgânicos. Mas esse sobrepreço é justificado, pois, ao produzir de forma mais responsável, a empresa internaliza custos que, na forma tradicional de cultivo, seriam externalizados e pagos por toda a sociedade.
Apesar de esse sobrepreço ser um obstáculo para a população de renda mais baixa, o “consumo responsável” não deveria ser um privilégio dos mais abastados. Consumidores das classes C e D podem fazer valer seu poder de escolha, mudando hábitos dentro de casa, adquirindo produtos mais eficientes, incentivando agricultores locais e até mesmo deixando de comprar produtos de empresas acusadas de práticas irresponsáveis.
Aí entram os dois outros obstáculos anteriormente mencionados: o da disponibilidade de tempo e o do acesso à informação.
De forma bem superficial, fazer uma escolha diferente, especialmente quando envolve uma mudança importante de hábitos, é, no mínimo, trabalhoso, desconfortável e exige tempo. Como durante o dia tomamos diversas decisões de consumo, acabamos entrando no piloto automático. Por exemplo, se um cidadão responsável decidir quebrar esse ciclo e usar alguns minutos do seu tempo na análise de cada produto antes de colocá-lo no carrinho, uma visita ao supermercado poderia durar horas.
Ainda que superado o obstáculo “tempo”, chegaríamos à última, e possivelmente a mais relevante das dificuldades: a de obter informações confiáveis, imparciais e de fácil entendimento. As palavras “verde”, “ecológico” e “sustentável” são usadas com frequência nas propagandas e rótulos de produtos, mas poucas vezes os consumidores entendem do que se trata.
Como saber o que é “maquiagem” verde e o que é realmente menos impactante? Quais as melhores práticas dentro de cada categoria de produto? Quais os critérios escolhidos? Mesmo para os mais esclarecidos, as respostas não vêm de pronto.
E foi justamente para ocupar esse espaço, reduzindo obstáculos quanto à falta de informação, que o Catálogo Sustentável foi idealizado. Contudo, no dia a dia de sua construção e atualização, percebeu-se que a própria ferramenta tem suas limitações.
A primeira delas é a agilidade do mercado. Todo dia novos produtos são lançados e outros tantos tirados de linha, o que impossibilita garantir a conformidade dos dados e a completude das informações em tempo real. Ademais, há limites importantes na avaliação comparativa de produtos, na medida em que existem poucos estudos disponíveis sobre análise de ciclo de vida, especialmente os realizados no Brasil. Soma-se a isso o fato de que dois produtos de uma mesma categoria podem estar no catálogo por atenderem a critérios diferentes, o que transfere a decisão final para o próprio consumidor.
Outro ponto que deve ser destacado é a denominação que foi dada ao site – “Catálogo Sustentável”. No momento do “batizado”, esse nome estava em perfeita sintonia com os objetivos da ferramenta. Mas, com o passar do tempo, suas limitações foram sendo identificadas e, hoje, acredita-se que o nome transmite uma mensagem equivocada para o consumidor final.
O que os produtos que constam do site efetivamente têm é um diferencial positivo em relação a outros produtos de sua categoria. Mas o processo de envolvimento em seu consumo e produção invariavelmente causa algum impacto.
Todas essas considerações não têm por objetivo concluir que essa ferramenta deve ser desconsiderada na busca pelo consumo responsável. O que se quer, sim, é demonstrar que não há respostas prontas para a busca por um consumo menos impactante, e que ferramentas como o Catálogo não são suficientes para preencher todas as lacunas da ação individual. E, então, como fica o consumidor?
A nossa sociedade passa por um processo de mudança em que toda informação é bem-vinda e nenhuma ação individual é desprezível. Mas, nesse contexto, é importante notar que grande parte do poder do consumidor reside na sua capacidade de mobilização e organização na condição de agente da sociedade civil, de forma a pressionar outros atores (entre eles governo e empresas), cujas responsabilidades não podem ser esquecidas.
É por meio da mobilização e atuação em rede, e com ajuda de ferramentas das mais diversas – entre elas o Catálogo –, que esse movimento ganhará robustez para prosseguir nesse caminho chamado sustentabilidade.
*Pesquisadora do Gvces e mestranda em Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável pela University College London.
**Coordenadora do programa Consumo Sustentável do Gvces e doutoranda em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC-SP.