Riscos em profundidade
Haverá seguradoras dispostas a participar da operação no pré-sal após o episódio da BP?
“O desastre ecológico provocado pela BP no Golfo do México foi o 11 de setembro do meio ambiente” (mais em Coluna, desta edição). A alusão ao maior ataque terrorista sofrido pelos EUA, em 2001, é a metáfora para sintetizar a catástrofe ecológica [1] usada por Henry Arima, diretor de responsabilidade civil do braço brasileiro da seguradora suíça Zurich – que prepara o lançamento ainda este ano no País do seguro ambiental para empresas.
[1] Provocado pela explosão da plataforma Deepwater Horizon em 20 de abril, o vazamento de petróleo de um poço a 1.500 metros de profundidade no Golfo do México é a maior catástrofe ambiental dos EUA.
Para o executivo, que comandou a implantação pioneira no Brasil do seguro ambiental da então Unibanco AIG, o episódio leva o setor de seguros e resseguros a reforçar suas áreas de análise de riscos ambientais no setor de extração de petróleo e gás em águas oceânicas profundas e valoriza produtos criados para compartilhar riscos com investidores em energias renováveis.
Das inúmeras dúvidas que afloram do evento, uma das mais candentes refere-se ao papel da indústria de seguros e resseguros na prevenção de acidentes na produção de petróleo e gás em águas oceânicas profundas. Um enrijecimento nas análises de risco ambiental promovidas pelas seguradoras antes de aprovar contratos com petrolíferas será suficiente para prevenir catástrofes ecológicas na zona marinha? O encarecimento das apólices de seguros para a exploração de petróleo em águas profundas arrefecerá a atividade?
Na operação da plataforma Deepwater Horizon no Golfo do México, parece ter predominado a tônica financeira do modelo de gestão de riscos ambientais. Provavelmente para economizar, a BP fez autosseguro para cobrir eventuais sinistros no sistema de perfuração de poços de petróleo no fundo do mar, ao utilizar a seguradora Jupiter, controlada pela própria companhia britânica. Fontes do setor de petróleo e da indústria de seguros e resseguros admitem, sob anonimato, que o autosseguro para operações tão arriscadas como a da Deepwater Horizon fragiliza a gestão de risco da operação, visto que tal gestão de risco pode ser contaminada por interesses financeiros da controladora.
Ainda que não fosse garantia total contra vazamentos ou explosões, seguradoras e resseguradoras do mercado tendem a ser mais isentas na análise de risco de atividades como a das petrolíferas em águas oceânicas. “Precisamos considerar desde novas regulações e inspeções legais até melhorias em gestão de riscos, projeto de engenharia, aspectos de segurança e controles de procedimento”, diz Katerina Piro, porta-voz para a área de seguro patrimonial e contra acidentes da Allianz em Munique, Alemanha. Como companhias de seguro são mais do que interessadas em evitar sinistros, a fim de não abrir seus cofres, a tendência natural é que cuidem para que seus clientes tomem todas as medidas necessárias para prevenir acidentes.
Contudo, grandes petrolíferas, como a Petrobras, não contratam seguro para um equipamento essencial no sistema de segurança da exploração de petróleo e gás, o blowout preventer. Um cálculo frio justifica o procedimento. Como um defeito nesse tipo de equipamento pode demorar décadas para ocorrer, elas preferem assumir sozinhas o risco e arcar com eventual prejuízo a pagar até US$ 6 milhões anualmente para renovar apólices de seguro. Em vista do desastre ecológico causado pela BP no Golfo do México, a ausência de seguro para o blowout preventer [2] segue lógica similar ao do autosseguro da BP ao dispensar a presença de um agente externo mais isento tal como é a seguradora privada em nome da discutível e temerária economia de custos financeiros.
[2] É acionado quando se necessita interromper o fluxo de petróleo que segue pela tubulação que conecta o poço no fundo do oceano à plataforma na superfície. Foi o equipamento que não funcionou quando a Deepwater Horizon explodiu e afundou, permitindo que o petróleo vazasse pelos buracos que surgiram na tubulação danificada.
Não é necessário ser especialista no tema para deduzir que o projeto do pré-sal, sob a batuta da Petrobras, adquire novos contornos à luz do poço sem fundo que jorra petróleo sem parar no Golfo do México. Quanto maior a profundidade de um poço, mais complexa e arriscada é a exploração de petróleo e gás em águas profundas.
Se o negócio encarecerá em profundidades entre 400 e 2.000 metros, como ocorre no Golfo e no mar territorial do Brasil, imaginem o que acontecerá com o projeto do pré-sal, que prevê extração a mais de 7.000 metros da superfície. Haverá seguradoras dispostas a participar do risco dessa operação após o episódio da BP?
A se ver pelos movimentos de empresas como as alemãs Munich Re e Allianz e a suíça Zurich, o setor parece estar mais inclinado a criar produtos para as indústrias de energias renováveis. “A indústria de seguros pode apoiar essas tecnologias assumindo parte dos riscos e, portanto, aumentando a segurança para os investidores”, assinala Tobias Heister, diretor de acidentes e oceanos da subsidiária brasileira da Munich Re.
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O Brasil poderia diminuir em 11,7 bilhões de toneladas suas emissões de CO2 equivalente no período de 2010 a 2030 com investimentos totais de US$ 725,6 bilhões (US$ 34,6 bilhões ao ano, em média) em tecnologias de baixo carbono. Segundo o Estudo de Baixo Carbono para o Brasil, publicado em junho pelo Banco Mundial, pouco menos da metade será investida de qualquer maneira, mesmo que não haja políticas de incentivo à adoção de tecnologias limpas pelas empresas. Para completar a cifra calculada pelo banco, seria necessário adicionar US$ 389,1 bilhões, ou média anual de US$ 18,5 bilhões, que representam somente cerca de 1% do PIB. É essa parte da conta que demandará incentivos fiscais, linhas de financiamento mais baratas e adesão dos agentes econômicos a planos de baixo carbono em seus negócios. Acesse o documento aqui.
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Entrevista: Steve Bass – Contra a maré pessimista, a favor da economia verde
Na contracorrente do ambiente pessimista no tema climático, a Green Economy Coalition (GEC), coalizão integrada por entidades sindicais, do setor privado e de consumidores e por ambientalistas tenta fortalecer o tema da economia verde na pauta da conferência Rio 2012, que avaliará o progresso da agenda ambiental global 20 anos depois da emblemática Rio 92. Steve Bass, um dos coordenadores da GEC, criada em 2009, falou à Página22:
Diante do fracasso de Copenhague, é possível ser otimista com o futuro da economia verde? Há várias janelas políticas nos próximos cinco anos que podem ser aproveitadas para fazermos a transição. Além da janela da mudança climática, outra vem do colapso financeiro. Haverá, também, a janela da Rio 2012, em que nos perguntaremos se fomos longe com o desenvolvimento sustentável. Outra será a revisão dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio em 2015.
Menos de 20% dos incentivos verdes dos pacotes de estímulo foram implementados de fato, segundo o HSBC. Por que os governos não cumpriram suas promessas? Os governos agora estão cortando despesas e não observam os efeitos positivos da economia verde sobre a competitividade nacional. Quando Dinamarca e Alemanha dizem que investirão mais em energias renováveis e tecnologias limpas, o fazem porque são muito confiantes de que são competitivos.
Por que o debate sobre economia verde está mais presente no mundo desenvolvido? A maior parte da discussão no momento é sobre alta tecnologia, economia de baixo carbono, transporte e redes de energia, assuntos relevantes para Europa e América do Norte. Isso é bom, mas não tão relevante para Moçambique e Mali, na África, onde a economia verde significa capitalizar seus ativos naturais, sua floresta, seus corpos d’água, seu pescado.
A GEC defende que, na Rio 2012, os governos prestem contas dos compromissos com o desenvolvimento sustentável. Como isso seria feito? O que os países tentam nesses encontros é acordar uma longa lista de promessas. Todo governo lhe mostrará uma pilha de papéis e dirá que introduziu o meio ambiente no desenvolvimento. Mas de fato eles não perseguem isso. O público deveria cobrar a prestação de contas sobre o que de fato estão implementando.
Que agenda de trabalho a Rio 2012 deveria seguir? Seria muito útil que houvesse um catálogo de projetos bem-sucedidos para inspirar experiências em diferentes países. Também deveriam ser identificados dois ou três obstáculos em âmbito internacional que precisam ser removidos, tais como os subsídios aos combustíveis fósseis.
A conferência conseguirá produzir avanços no tema dos novos indicadores de desenvolvimento? Sei que o Banco Mundial está tentando formar um grupo para ajudar os países com o que se chama de National Wealth Account, em que o desenvolvimento é apresentado como resultado do crescimento ou declínio de diferentes ativos, inclusive o ambiental.
*Jornalista e consultor especializado em sustentabilidade.[:en]Riscos em profundidade
Haverá seguradoras dispostas a participar da operação no pré-sal após o episódio da BP?
“O desastre ecológico provocado pela BP no Golfo do México foi o 11 de setembro do meio ambiente” (mais em Coluna, desta edição). A alusão ao maior ataque terrorista sofrido pelos EUA, em 2001, é a metáfora para sintetizar a catástrofe ecológica [1] usada por Henry Arima, diretor de responsabilidade civil do braço brasileiro da seguradora suíça Zurich – que prepara o lançamento ainda este ano no País do seguro ambiental para empresas.
[1] Provocado pela explosão da plataforma Deepwater Horizon em 20 de abril, o vazamento de petróleo de um poço a 1.500 metros de profundidade no Golfo do México é a maior catástrofe ambiental dos EUA.
Para o executivo, que comandou a implantação pioneira no Brasil do seguro ambiental da então Unibanco AIG, o episódio leva o setor de seguros e resseguros a reforçar suas áreas de análise de riscos ambientais no setor de extração de petróleo e gás em águas oceânicas profundas e valoriza produtos criados para compartilhar riscos com investidores em energias renováveis.
Das inúmeras dúvidas que afloram do evento, uma das mais candentes refere-se ao papel da indústria de seguros e resseguros na prevenção de acidentes na produção de petróleo e gás em águas oceânicas profundas. Um enrijecimento nas análises de risco ambiental promovidas pelas seguradoras antes de aprovar contratos com petrolíferas será suficiente para prevenir catástrofes ecológicas na zona marinha? O encarecimento das apólices de seguros para a exploração de petróleo em águas profundas arrefecerá a atividade?
Na operação da plataforma Deepwater Horizon no Golfo do México, parece ter predominado a tônica financeira do modelo de gestão de riscos ambientais. Provavelmente para economizar, a BP fez autosseguro para cobrir eventuais sinistros no sistema de perfuração de poços de petróleo no fundo do mar, ao utilizar a seguradora Jupiter, controlada pela própria companhia britânica. Fontes do setor de petróleo e da indústria de seguros e resseguros admitem, sob anonimato, que o autosseguro para operações tão arriscadas como a da Deepwater Horizon fragiliza a gestão de risco da operação, visto que tal gestão de risco pode ser contaminada por interesses financeiros da controladora.
Ainda que não fosse garantia total contra vazamentos ou explosões, seguradoras e resseguradoras do mercado tendem a ser mais isentas na análise de risco de atividades como a das petrolíferas em águas oceânicas. “Precisamos considerar desde novas regulações e inspeções legais até melhorias em gestão de riscos, projeto de engenharia, aspectos de segurança e controles de procedimento”, diz Katerina Piro, porta-voz para a área de seguro patrimonial e contra acidentes da Allianz em Munique, Alemanha. Como companhias de seguro são mais do que interessadas em evitar sinistros, a fim de não abrir seus cofres, a tendência natural é que cuidem para que seus clientes tomem todas as medidas necessárias para prevenir acidentes.
Contudo, grandes petrolíferas, como a Petrobras, não contratam seguro para um equipamento essencial no sistema de segurança da exploração de petróleo e gás, o blowout preventer. Um cálculo frio justifica o procedimento. Como um defeito nesse tipo de equipamento pode demorar décadas para ocorrer, elas preferem assumir sozinhas o risco e arcar com eventual prejuízo a pagar até US$ 6 milhões anualmente para renovar apólices de seguro. Em vista do desastre ecológico causado pela BP no Golfo do México, a ausência de seguro para o blowout preventer [2] segue lógica similar ao do autosseguro da BP ao dispensar a presença de um agente externo mais isento tal como é a seguradora privada em nome da discutível e temerária economia de custos financeiros.
[2] É acionado quando se necessita interromper o fluxo de petróleo que segue pela tubulação que conecta o poço no fundo do oceano à plataforma na superfície. Foi o equipamento que não funcionou quando a Deepwater Horizon explodiu e afundou, permitindo que o petróleo vazasse pelos buracos que surgiram na tubulação danificada.
Não é necessário ser especialista no tema para deduzir que o projeto do pré-sal, sob a batuta da Petrobras, adquire novos contornos à luz do poço sem fundo que jorra petróleo sem parar no Golfo do México. Quanto maior a profundidade de um poço, mais complexa e arriscada é a exploração de petróleo e gás em águas profundas.
Se o negócio encarecerá em profundidades entre 400 e 2.000 metros, como ocorre no Golfo e no mar territorial do Brasil, imaginem o que acontecerá com o projeto do pré-sal, que prevê extração a mais de 7.000 metros da superfície. Haverá seguradoras dispostas a participar do risco dessa operação após o episódio da BP?
A se ver pelos movimentos de empresas como as alemãs Munich Re e Allianz e a suíça Zurich, o setor parece estar mais inclinado a criar produtos para as indústrias de energias renováveis. “A indústria de seguros pode apoiar essas tecnologias assumindo parte dos riscos e, portanto, aumentando a segurança para os investidores”, assinala Tobias Heister, diretor de acidentes e oceanos da subsidiária brasileira da Munich Re.
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O Brasil poderia diminuir em 11,7 bilhões de toneladas suas emissões de CO2 equivalente no período de 2010 a 2030 com investimentos totais de US$ 725,6 bilhões (US$ 34,6 bilhões ao ano, em média) em tecnologias de baixo carbono. Segundo o Estudo de Baixo Carbono para o Brasil, publicado em junho pelo Banco Mundial, pouco menos da metade será investida de qualquer maneira, mesmo que não haja políticas de incentivo à adoção de tecnologias limpas pelas empresas. Para completar a cifra calculada pelo banco, seria necessário adicionar US$ 389,1 bilhões, ou média anual de US$ 18,5 bilhões, que representam somente cerca de 1% do PIB. É essa parte da conta que demandará incentivos fiscais, linhas de financiamento mais baratas e adesão dos agentes econômicos a planos de baixo carbono em seus negócios. Acesse o documento aqui.
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Entrevista: Steve Bass – Contra a maré pessimista, a favor da economia verde
Na contracorrente do ambiente pessimista no tema climático, a Green Economy Coalition (GEC), coalizão integrada por entidades sindicais, do setor privado e de consumidores e por ambientalistas tenta fortalecer o tema da economia verde na pauta da conferência Rio 2012, que avaliará o progresso da agenda ambiental global 20 anos depois da emblemática Rio 92. Steve Bass, um dos coordenadores da GEC, criada em 2009, falou à Página22:
Diante do fracasso de Copenhague, é possível ser otimista com o futuro da economia verde? Há várias janelas políticas nos próximos cinco anos que podem ser aproveitadas para fazermos a transição. Além da janela da mudança climática, outra vem do colapso financeiro. Haverá, também, a janela da Rio 2012, em que nos perguntaremos se fomos longe com o desenvolvimento sustentável. Outra será a revisão dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio em 2015.
Menos de 20% dos incentivos verdes dos pacotes de estímulo foram implementados de fato, segundo o HSBC. Por que os governos não cumpriram suas promessas? Os governos agora estão cortando despesas e não observam os efeitos positivos da economia verde sobre a competitividade nacional. Quando Dinamarca e Alemanha dizem que investirão mais em energias renováveis e tecnologias limpas, o fazem porque são muito confiantes de que são competitivos.
Por que o debate sobre economia verde está mais presente no mundo desenvolvido? A maior parte da discussão no momento é sobre alta tecnologia, economia de baixo carbono, transporte e redes de energia, assuntos relevantes para Europa e América do Norte. Isso é bom, mas não tão relevante para Moçambique e Mali, na África, onde a economia verde significa capitalizar seus ativos naturais, sua floresta, seus corpos d’água, seu pescado.
A GEC defende que, na Rio 2012, os governos prestem contas dos compromissos com o desenvolvimento sustentável. Como isso seria feito? O que os países tentam nesses encontros é acordar uma longa lista de promessas. Todo governo lhe mostrará uma pilha de papéis e dirá que introduziu o meio ambiente no desenvolvimento. Mas de fato eles não perseguem isso. O público deveria cobrar a prestação de contas sobre o que de fato estão implementando.
Que agenda de trabalho a Rio 2012 deveria seguir? Seria muito útil que houvesse um catálogo de projetos bem-sucedidos para inspirar experiências em diferentes países. Também deveriam ser identificados dois ou três obstáculos em âmbito internacional que precisam ser removidos, tais como os subsídios aos combustíveis fósseis.
A conferência conseguirá produzir avanços no tema dos novos indicadores de desenvolvimento? Sei que o Banco Mundial está tentando formar um grupo para ajudar os países com o que se chama de National Wealth Account, em que o desenvolvimento é apresentado como resultado do crescimento ou declínio de diferentes ativos, inclusive o ambiental.
*Jornalista e consultor especializado em sustentabilidade.